3.9.05

Elegia 1938

"Trabalhas sem alegria para um mundo caduco,
onde as formas e as ações não encerram nenhum exemplo.
Praticas laboriosamente os gestos universais,
sentes calor e frio, falta de dinheiro, fome e desejo sexual.

Heróis enchem os parques da cidade em que te arrastas,
e preconizam a virtude, a renúncia, o sangue-frio, a concepção.
À noite, se neblina, abrem guardas chuvas de bronze
ou se recolhem aos volumes de sinistras bibliotecas.

Amas a noite pelo poder de aniquilamento que encerra
e sabes que, dormindo, os problemas te dispensam de morrer.
Mas o terrível despertar prova a existência da Grande Máquina
e te repõe, pequenino, em face de indecifráveis palmeiras.

Caminhas por entre os mortos e com eles conversas
sobre coisas do tempo futuro e negócios do espírito.
A literatura estragou tuas melhores horas de amor.
Ao telefone perdeste muito, muitíssimo tempo de semear.

Coração orgulhoso, tens pressa de confessar tua derrota
e adiar para outro século a felicidade coletiva.
Aceitas a chuva, a guerra, o desemprego e a injusta distribuição
porque não podes, sozinho, dinamitar a ilha de Manhattan."

Carlos Drummond de Andrade

Fico impressionado com a antevisão deste poeta, do qual quase nada conheço da sua tão vasta obra. Esta poesia me foi passada por um grande brother, pouco tempo depois do espetáculo holywoodiano transmitido para todo mundo pela famigerada CNN ocorrido a 11 de setembro de 2001. Fiquei extasiado com a tão atual descrição de nossos tempos, àquela época! Valeu Lucas!

E para os que desejam conhecer mais de Drummond, segue o link: Drummond

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